Luís Palma



Paisagem, Industria, Memória

Paisagem, Industria, Memória

"Se Armilla é assim por estar incompleta ou por ter sido demolida, se por detrás está um encantamento ou só um capricho, eu ignoro. O facto é que não tem muros, nem telhados nem chão: não tem nada que a faça parecer uma cidade, excepto as canalizações de água, que sobem na vertical onde deveriam existir as casas e se ramificam onde deveriam ser andares: uma floresta de canos que terminam em torneiras, duches, sifões, válvulas. Contra o céu branqueja um ou outro lavabo ou azulejo, como frutos tardios que ficaram pendurados nos ramos. Dir-se-ia que os canalizadores acabaram o seu trabalho e se foram embora antes de chegarem os pedreiros; ou então que as suas instalações, indestrutíveis, resistiram a uma catástrofe, terramoto ou corrosão de térmitas".

Italo Calvino, "As Cidades Invisíveis".

Donostia, Irun, Tolosa, Hernani, Orio, Pasaia, Bilbao, Barakaldo, Sestao, Portugalete, Zumarraga, Beasain. São nomes de cidades que ficam no País Basco. Lembro-me destes lugares sem ter que recorrer ao mapa de estradas que ainda hoje é um hábito frequente e que serve igualmente de bloco de notas.
Ao percorrer cada uma destas regiões – Gipuzkoa, Vizcaya, Navarra e Alava – vem à memória este livro. "As Cidades Invisíveis" são aquelas que só a poesia consegue enaltecer: "com afecto – as cidades subtis; com a autobiografia – as cidades e a memória; com a paixão – a cidade e o desejo; com o manifesto – a cidade e os sinais; com o mercado – as cidades e as trocas; com o enigmático – as cidades ocultas; com o luto – a cidade e os mortos".
Aqui o contexto político em Euskadi(1) organiza-se na clandestinidade, nas montanhas que cercam as suas planícies, e contesta-se nas ruas onde a violência deixa cicatrizes num povo que teima em derrubar essa fronteira que divide dois países. Unidos pela mesma Língua, assim se entendem os bascos espanhóis e franceses.
A geografia política, a territorialidade e a fotografia industrial são temas sobre os quais tenho particular interesse pelo que foi com entusiasmo que aceitei este desafio, que contou com o apoio do Ministério da Cultura/Centro Português de Fotografia e do Museu San Telmo, sem descaracterizar a idoneidade do fotógrafo independentemente de qualquer condenação a qualquer tipo de preconceito documental.
No actual momento político, em que muito se fala de globalização, estes lugares marcados pela história são sítios que resistem a novas realidades. O País Basco, marcado pela revolução industrial no século XIX, persiste em conservar a arqueologia industrial desse tempo e do seu maior símbolo: Haltos Hornos de Bizkaia, que ficará na memória como uma região hostil devido à agressividade da sua paisagem marcadamente cinzenta.
A construção do Museu Guggenheim de Bilbau onde na entrada deste se encontra a escultura - "Puppy" - que representa um cão de grandes dimensões feita a partir de flores, do artista americano Jeff Koons, trará uma nova imagem ao País Basco que lentamente fará esquecer os tempos difíceis dessa época e da sua história.
É assim esta terra que geograficamente nos é tão próxima e nos faz sentir tão longe. Ou como diria Orson Welles no documentário, que este realizou em 1955, "não sei se o País Basco é igual aos outros países. O que sei é aquilo em que o País Basco é diferente dos outros".

1. País Basco em português. País Vasco em castelhano

Donostia / San Sebastián, Luís Palma, 1999.

© LUÍS PALMA