Luís Palma



Escuro

Escuro

Luís Palma nasceu no Porto em 1960, onde vive e trabalha. Com um percurso que começa a ganhar visibilidade no final dos anos oitenta do século passado, é uma referência na afirmação da fotografia no panorama alargado das artes plásticas em Portugal.
Com uma presença importante de obras encomendadas pelos Encontros de Fotografia na sua coleção, é um dos fotógrafos portugueses que mais intensamente tem trabalhado questões relativas ao território, às suas desigualdades e paradoxos, a partir de uma visão muito particular onde as noções de periferia e desenraizamento urbanístico ganham particular densidade.

Escuro é uma exposição que apresenta trabalhos de 1981 a 1994 e que parte de um conjunto surpreendente de imagens dos bastidores do concerto dos The Clash em Madrid em 1981. Momentos de descontração que evidenciam uma proximidade permitida. As imagens de Joe Strummer a fotografar, numa espécie de cumprimento devolvido, são sintomáticas desta suposição.
Lisboa, Nova Iorque, Londres e o Porto são cidades onde a visão de uma sociedade plena de contradições tanto se pode plasmar na mancha lamacenta de uma rua, como nas rugas vincadas de uma face. Na memória de interiores onde a solidão e a ausência se espelham em tensão sublinhada pela mestria com que os claro-escuros se revelam em intensidades variadas.
Uma cama vazia, um candeeiro desalinhado ou jogos de espelho que desestruturam a profundidade das imagens, são marcas indiciais de uma vivência que nunca se torna narrativa, antes alegórica.
Sem juízos morais, esta é uma visão idiossincrática de um período que passa tanto pela euforia pós-revolucionária de um autor à procura de experiências de vida libertadoras – sinalizadas nas diferentes geografias tratadas -, como na partilha desafiante de um período ulterior onde uma certa angústia existencial se consubstancia nas pequenas provas agora em exibição, todas realizadas a partir dos originais cuidadosamente preservados.
Esta mostra é, então, uma oportunidade para se rememorar sobre questões políticas e sociais de uma juventude pós-revolucionária que descobria e saboreava momentos de liberdade associados ao desejo, à fruição de uma cultura popular subterrânea e palpitante, e a processos de autodescobrimento. É também uma oportunidade de nos confrontarmos com o reverso da medalha, onde o vício, a solidão, a enfermidade ou a morte irrompem como inevitabilidade.
É, por outro lado, um documento da maior importância no estabelecimento de uma genealogia histórica da fotografia no nosso contexto. Se, por um lado, o modo de estar de Luís Palma no território das artes sempre se pautou por um recolhimento voluntário, a sua presença no panorama expositivo não é tão constante como outros autores que nos últimos anos têm vindo a permitir uma receção pública da fotografia completamente distinta daquela que caracterizou as duas últimas décadas do século passado.
Histórias cruzadas, a deste autor, a dos Encontros de Fotografia e do CAV, que assim se homenageiam em momento inaugural do ciclo de programação a vida, apesar dela que não poderia ter início mais pertinente.

Miguel von Hafe Pérez

© LUÍS PALMA